Aplicação das normas do direito de vizinhança para satisfação de interesses de proprietários em conflito
Quem nunca foi incomodado por algum vizinho? É bastante comum que a relação entre pessoas que moram em propriedades próximas (não necessariamente contíguas) passe por momentos conflitantes. Isso porque, muitas vezes, a satisfação do direito de um morador pode provocar restrições e até mesmo violação dos direitos do seu vizinho.
Para o ministro Sidnei Beneti, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “a casa é, em princípio, lugar de sossego e descanso, se o seu dono assim o desejar”. Apesar disso, interferências sempre haverá.
Algumas dessas interferências precisam ser toleradas para que o convívio entre vizinhos não vire uma guerra. Entretanto, nem todos têm a noção de que, para viver bem em comunidade, é necessário agir pensando no coletivo.
Vejam como o tema é resolvido pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Vista panorâmica
Em 2008, a Terceira Turma resolveu um conflito surgido pela construção de muro no limite entre duas propriedades, localizadas no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. O casal dono de um dos imóveis pretendia que o muro fosse derrubado, sob o argumento de que estaria atrapalhando a vista panorâmica para a Lagoa Rodrigo de Freitas.
No decorrer do processo, as partes celebraram acordo judicial, no qual fixaram condições para preservação da vista, iluminação e ventilação, a partir de um dos terrenos. A altura do muro foi reduzida, entretanto, foram plantadas trepadeiras e árvores que acabaram tapando novamente a visão da lagoa.
O juízo de primeiro grau determinou que as árvores limítrofes fossem podadas, para que não ultrapassassem a altura do muro divisório. Na apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) reformou a sentença, pois entendeu que o acordo firmado entre as partes não havia garantido o direito à alegada “servidão de vista” – o que, segundo o tribunal, nem existe no sistema brasileiro.
No STJ, o relator do recurso especial, ministro Ari Pargendler, entendeu que o acordo havia sido integralmente cumprido e, além disso, que não havia proibição quanto ao plantio de árvores, “que é um direito assegurado ao proprietário, dentro de seu terreno”.
Parede
Em 2011, a Quarta Turma analisou um caso relacionado à servidão predial. Os donos de um imóvel construíram uma parede, que acabou por obstruir a ventilação e iluminação naturais do prédio vizinho.
Na ação demolitória ajuizada pelos vizinhos, o juízo de primeiro grau determinou o desfazimento da parede erguida. O tribunal de segunda instância manteve a decisão, pois verificou que a parede construída obstruía janelas que tinham sido abertas no prédio vizinho havia mais de 20 anos.
Nas razões do recurso especial, os responsáveis pela construção da parede alegaram violação aos artigos 573, parágrafo 2º, e 576 do CC/16. Entretanto, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que os dispositivos mencionados regulam as relações de vizinhança, não servindo para a solução de controvérsias relativas à servidão predial. Diante disso, a Turma negou provimento ao recurso especial.
Infiltração
De acordo com o ministro Sidnei Beneti, a jurisprudência do STJ tem caminhado no sentido de que os aborrecimentos comuns do dia a dia, “os meros dissabores normais e próprios do convívio social”, não são suficientes para dar origem a danos morais indenizáveis.
Há precedentes do STJ que afirmam tratar-se a infiltração em apartamento de um mero dissabor. Apesar disso, a Terceira Turma julgou uma situação de grande constrangimento, que perdurou durante muitos meses, como exceção à regra.
Em 2006, uma moradora ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a vizinha do apartamento acima do seu. Alegou que, cerca de um ano e meio antes, começou uma infiltração na laje do teto da sua área de serviço, proveniente do imóvel do andar de cima, que se alastrou por praticamente todo o teto do apartamento.
Segundo a autora, houve várias tentativas para solucionar amigavelmente o problema, mas a vizinha não tomou nenhuma providência.
No STJ, o ministro Sidnei Beneti, relator do recurso especial, mencionou que o constrangimento e os aborrecimentos pelos quais a mulher passou não poderiam ser considerados de menos importância.
“A situação descrita nos autos não caracteriza, portanto, um mero aborrecimento ou dissabor comum das relações cotidianas. Na hipótese, tem-se verdadeiro dano a direito de dignidade, passível de reparação por dano moral”, afirmou.
Ruídos
O morador de uma quitinete, localizada em área comercial do Sudoeste, em Brasília, ajuizou ação possessória contra o Condomínio do Edifício Avenida Shopping. Alegou que sua vizinha, uma empresa comercial, instalou, sobre o teto do edifício e acima de sua residência, equipamento que funcionava ininterruptamente, produzindo vibrações e ruídos que afetavam sua qualidade de vida.
Pediu que a empresa fosse proibida de utilizar o equipamento, além de ressarcimento pelos danos morais sofridos. O juízo de primeiro grau verificou que a convenção de condomínio estabelecia a finalidade exclusivamente comercial do edifício e que só havia barulho acima do tolerável no período noturno.
O morador recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que deu parcial provimento ao recurso, para condenar a empresa e o condomínio, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 15 mil. No curso do processo, o morador deixou o imóvel, por isso, o outro pedido ficou prejudicado.
A Terceira Turma do STJ manteve a condenação em danos morais no valor arbitrado pelo tribunal de segunda instância.
Uso indevido
No caso de imóvel alugado, o locador (proprietário) tem o dever de zelar pelo uso adequado de sua propriedade, assegurando-se da correta destinação dada pelo inquilino, principalmente no que se refere à higiene e limpeza da unidade objeto da locação. Esse entendimento é da Terceira Turma.
No Condomínio Residencial Suite Service há uma regra que obriga os condôminos a permitir o acesso às suas unidades para que sejam realizados serviços de limpeza. Mesmo notificada dessa obrigação, uma locatária não permitiu que os funcionários responsáveis pela limpeza entrassem em seu apartamento.
Diante disso, o condomínio moveu ação cominatória contra a locatária. Sustentou que as condições precárias de higiene da unidade afetaram os demais condôminos, causando-lhes riscos à saúde e ao bem-estar no prédio.
De acordo com o ministro Massami Uyeda, relator do recurso especial, “o locador mantém a posse indireta do imóvel, entendida como o poder residual concernente à vigilância, à conservação ou mesmo o aproveitamento de certas vantagens da coisa, mesmo depois de transferir a outrem o direito de usar o bem objeto da locação”.
Ele explicou que, tratando-se de direito de vizinhança, a obrigação decorre da propriedade da coisa. “Por isso, o proprietário, com posse indireta, não pode se eximir de responder pelos danos causados pelo uso indevido de sua propriedade”, afirmou.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça